domingo, 29 de abril de 2012

Los Hermanos


Quem me apresentou ao som deles foi minha amiga Karol Khaled, em 2006, ligada nas letras, logo me encantei pelo grupo. Em 2010, já depois da separação da banda, meu primo virou evangélico e me deixou de herança a coletânea de discos e DVD's. Comecei a ouvi-los mais e a me encantar mais com as letras.
Há poucos meses, depois de anos separados o grupo resolveu se reunir novamente e fazer uma turnê de 10 shows pelo país e Belém foi uma das cidades contempladas. Nossa, nem acreditei, já que na maioria das vezes o norte do país é meio esquecido e malfadado. Ingresso comprado e turma reunida nos mandamos para o local do evento.
O show demorou pra começar, já estávamos agoniados até que eles entrarão no palco e deram um verdadeiro show. Gente o que são Los Hermanos no palco?? Explica!!! Perfeitos. De todas as músicas que cantaram, confesso que apenas uma eu não sabia a letra, mas as demais foram gritadas vorazmente. Minha garganta em estado de calamidade que o diga!
Não sei o que se passa na cabeça desses malucos nerds fodásticos pra entenderem que não devem seguir adiante e continuar enlouquecendo esse público. De quebra eles ainda cantaram Legião Urbana e a galera foi ao delírio porque ficou do cacete na voz e no som deles. Não é a toa que eles são a banda favorita da Maria Rita, que gravou lindamente Santa Chuva e Casa Pré-fabricada, esta última também cantada no show. Para a noooossa alegriiaaaa. rsrsrsr
Enfim, o show da ano, definitivamente! Pra quem ainda não conhece a banda, recomendíssimo. É pra quem gosta de boa melodia e letras fantásticas.

Sonhos que aprisionam

"O apego pelo futuro é uma armadilha terrível"

Havia na minha casa, até uns dias atrás, uma travessa cheia de pedras. Elas eram de cores, tamanhos e formatos diferentes. Tinham em comum o fato de haverem sido coletadas em viagens. Se eu estivesse num lugar especial, procurava uma pedra bonita e a metia no bolso. Mais tarde, de volta em casa, juntava o item novo à coleção. Haveria, talvez, umas 30 pedras na travessa.
Na semana passada, preparando a casa para uma reforma, disposto a recomeçar a vida, decidi que era hora de me livrar de coisas que eu vinha acumulando desnecessariamente há pelo menos 10 anos. Rodaram roupas, objetos, revistas, livros e, claro, as pedras. Mas não foi fácil.
Cada vez que eu punha uma coisa de lado, com a disposição de me livrar dela, algo me incomodava profundamente. Havia uma dor ali, ou várias dores diferentes.
As pedras eram parte do passado que, de alguma forma, eu tentava agarrar e materializar. Os livros, vários que eu nunca tinha lido, representavam uma inquietação pelo futuro: agora eu nunca saberia o que há dentro deles. As roupas, muitas delas sem usar há anos, ficavam me acenando do chão, empilhadas, com as situações que haveriam de vir e nas quais eu sentiria falta delas.
O nome desse sentimento inquietante é apego.
A gente se agarra às coisas, como se agarra às pessoas e às ideias. Na verdade está tudo entrelaçado. As coisas representam pessoas, que nos remetem a sentimentos e ideias. Ou representam sentimentos e ideias, que nos lembram de pessoas. Qualquer que seja a ordem, esse sentimento é um fardo. Tentando reformar e recomeçar, tentando reiniciar a vida, a gente percebe como é difícil deixar as coisas para trás. Inclusive os sonhos e os planos, por mais banais e genéricos que sejam.
Assim como nos apegamos a livros que nunca lemos, ou CDs que nunca ouvimos, também nos apaixonamos por coisas que nunca vivemos e gostaríamos de viver, embora não sejamos capazes de explicá-las ou defini-las. Essa forma de apego é vaga, mas tem uma força brutal sobre as nossas ações.
A esperança de viver coisas espetaculares (mas indefinidas) no futuro impede que a gente se mova no presente. Ela leva, por exemplo, algumas pessoas a protelar indefinidamente relações afetivas duradouras. Elas não conseguem renunciar ao sonho de perfeição do conto de fadas ou abrir mão das possibilidades eróticas oferecidas por um planeta com seis bilhões de pessoas. Isso equivale à dificuldade de jogar fora um DVD que nunca foi visto. É apego pelo desconhecido. Tenho a impressão de que esse sentimento pelo futuro é o maior obstáculo à mudança na nossa vida.
O passado é uma entidade com peso e qualidade definidos. Lidamos com ele todos os dias. Desapegar não é simples, como mostra a minha coleção de pedras, mas pode ser negociado, como sabem os analistas. Memórias podem ser reavaliadas, experiências podem ser diluídas no tempo. Podemos chegar à conclusão que sobreviveremos ao grande amor e ao grande trauma – e com alguma pesar, por um e por outro, somos capazes de enterrá-los em alguma medida.
O futuro é outra história. Nele residem todas as nossas expectativas. Depositamos neles nossas aspirações práticas e subjetivas. Em direção a ele arremessamos os nossos desejos não realizados, a redenção das nossas frustrações. No futuro encontra-se a pessoa que desejamos ser. A felicidade mora lá e nos assombra como um fantasma a cada minuto da nossa vida. Não saberíamos viver sem ela. Seria desumano.
É contra essa esperança enorme, avassaladora e perniciosa que temos de lutar todos os dias para tomar conta da nossa vida. Não basta olhar para trás e se livrar das coleções de pedras. Ou das roupas velhas. Para começar de novo, em qualquer idade, temos de jogar fora os sonhos embolorados e as ilusões. Precisamos nos livrar do futuro sem rosto que nos assombra.
É provável que a felicidade, como coisa duradoura, não exista. Mas, se ela pode ser encontrada em algum lugar, ainda que de forma fugidia, é no presente. Para enxergá-la, precisamos estar de olhos bem abertos, livres das sombras do passado e das luzes que cegam no futuro. Não é fácil, mas quem disse que a vida é simples?
Ivan Martins- colunista da Revista Época

terça-feira, 24 de abril de 2012

Deus escreve certo por linhas tortas

Quando criança, nos tempos de escola, um de nossos lazeres de menina favorito era trocar papéis de carta. É difícil lembrar como comecei minha coleção com os poucos recursos que tinha, mas lembro que ela era enorme dentro de uma pasta classificadora preta. Aos sábados, nos reuníamos no pátio de alguma casa das amigas para trocar. Os que tinham envelope na mesma estampa valiam mais, assim como os de desenhos que faziam sucesso à época (smurfs, moranguinho...). Eu adorava todos que tinha, mas um em especial me chamava a atenção: era azul, com desenhos de nuvens, com linhas além de inclinadas, irregulares; no canto esquerdo um anjo e no direito a frase título deste texto. Eu nunca perguntei a ninguém, mas na minha cabeça de menina ficava matutando o significado daquelas palavras. Como assim "Deus escreve certo por linhas tortas se elas estão tortas?" Não fui capaz de adivinhar. Hoje sei.
Sei que Deus não tira nada e nem ninguém de sua vida por acaso. Assim como não coloca. Ele te obriga a aprender com os caminhos que lhe permite traçar e com o destino aonde te faz chegar. Ele lhe permite viver momentos lindos ao lado de quem você ama, mas depois leva-os de você através da morte ou da distância, ou o inverso, faz você partir.
Quando nasci meu pai foi embora, já contei isso aqui, e talvez tenha sido assim que me acostumei às ausências, as partidas, as perdas. Tive uma vida bastante regrada e quando conseguia ter as coisas e depois as perdia eu não lamentava, afinal, fui acostumada ao não ter. Dessa forma meu subconsciente me mantém alerta e a maior carga dessa falta de lamento foi concentrada em duas formas humanas: amigos e amores.
Deus escreve certo por linhas tortas.
Hoje essa frase não saiu da minha cabeça.
Hoje talvez eu tenha perdido e por isso tenha ficado chateada. Hoje. Amanhã sei bem o que me reserva além da perda: a certeza das escolhas e a consciência das consequências dela. Hoje o filme ainda passa pela minha cabeça e ainda lembro de tudo o que fez rir. Amanhã, sem chorar eu esqueci, eu aceitei e sempre acreditei que esse mesmo Deus que escreve certo por linhas tortas é o mesmo que vai me mostrar que esse foi o melhor caminho.
Foi de um jeito torto, absurdo, desnecessário em que cada um se perdeu porque ninguém queria deixar de ganhar sem perder suas "razões" e colocar em linhas tortas com escritas erradas os motivos que só servem pra destruir o que pôde até então ter valido a pena. Haverá consequências onde poderia haver diálogo e entendimento. Os papéis de carta se perderam um dia e eu sequer lembro como eles foram se acabando. Nem mesmo o que eu mais amava foi preservado pelo tempo, esse senhor que dizem (e eu não acredito) tudo resolve. Eu também vou esquecer o que aconteceu hoje ainda que houvesse uma forma de amor. Talvez esqueça para perdoar, talvez para simplesmente esquecer.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Mania de Explicação

Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa.

Explicação é uma frase que se acha mais importante do que a palavra.
As pessoas até se irritavam, irritação é um alarme de carro que dispara bem no meio de seu peito, com aquela menina explicando o tempo todo o que a população inteira já sabia. Quando ela se dava conta, todo mundo tinha ido embora. Então ela ficava lá, explicando, sozinha.
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer "eu deixo" é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Agonia é quando o maestro de você se perde completamente. Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Renúncia é um não que não queria ser ele.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.
Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.
Desatino é um desataque de prudência.
Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Emoção é um tango que ainda não foi feito.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Desejo é uma boca com sede.
Paixão é quando apesar da placa "perigo" o desejo vai e entra.
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado. Não. Amor é um exagero... Também não. É um desadoro... Uma batelada? Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego? Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina.

Adriana Falcão

domingo, 1 de abril de 2012

Guerra Fria

Há muito tempo tô querendo escrever sobre isso de maneira metafórica para tratar de relações de amizade. Originalmente e para quem perdeu as aulas da disciplina por indisciplina, a Guerra Fria foi um conflito entre duas grandes potências: Estados Unidos e União Soviética, e que não as fez chegar "as vias de fato", o berço do conflito passava por questões política, militar, tecnológica, econômica, social e ideológica. Nas relações de amizade a coisa se dá mais ou menos na mesma ordem (ou desordem, eu diria). Entre grupos grandes, pequenos ou entre dois amigos a coisa flui na mais perfeita harmonia até que os interesses ou idéias se tornem divergentes e os defeitos comecem inevitavelmente a ser percebidos.
Reunir os amigos pra um bate-papo, um chopp ou um final de semana na praia é motivo pra muitos risos e muitas histórias pra contar e algumas para omitir. É nesses momentos que se descobrem as afinidades e, com o tempo de convivência...as divergências: "Poxa, mas fulano não era assim tão arrogante. Sicrana não era tão individualista". Era sim, apenas não mostrou logo, pois estragaria o bom muito cedo. Ademais tudo o que fica muito tempo exposto perde inevitavelmente o gosto, o interesse, a cor, o sabor. Era sim, porque ninguém perde a sua essência e porque cedo ou tarde as máscaras sempre caem e o que sobra ali, estampado é o que realmente é, à sua escolha, continua??
Entra na história "a Guerra Fria". De um lado está aquela pessoa que você adorava, admirava, não sabia ir comprar um Band-aid sem convidá-la só pelo prazer da companhia. Surgia um show na cidade e você logo fazia uma convocação oficial, mesmo sabendo que o outro detesta New Kids on The Block. E ele vai. Do outro lado está você fazendo a política da boa vizinhança mas no fundo tentando evitar a companhia porque você não é capaz de chegar e encher a cara do outro com suas verdades, afinal, a maturidade lhe ensinou que não vale a pena e o bom senso lhe diz que as vezes o silêncio é a melhor resposta.
Você percebe o outro cometendo deslizes atrás de deslizes, comprometendo seu caráter e sua identidade e fica calado. Por quê? Porque sabe que o outro está cheio de si e não vai lhe ouvir, então você assume o seu lado egoísta, já que todos o temos, e deixa o outro pra lá, viver da maneira que acha que deve, em seu mundo, em seus sonhos e suas realidades. Escolha. Claro, você não é obrigado a aceitar, e por pura educação deixa o outro lá sem entrar em conflito, sem partir para a guerra e também sem tentar desentortar porque, afinal, você enxerga que há outras opiniões irmãs da sua e isso te causa um alívio: "puxa, não estou só no mundo".
Você vai viver o seu conflito no campo ideológico. Por dentro você tem vontade de pegar a criatura pelo pescoço e dar um "acorda, Alice" nela, mas ao invés disso você vira um espectador de deslizes e vez em quando descarrega suas opiniões "no papel" percebendo claramente que o outro age da mesma forma e talvez pense como você a respeito da situação. Um louco pra se livrar do outro, mas pra não entrar em guerra física, escolhe a guerra fria.
Estou presenciando uma guerra dessa nível, as vezes de camarote, como expectadora, as vezes como personagem e acho sinceramente fantástico ler nas entrelinhas e nas tirinhas o não dito, velado por questões talvez éticas, talvez covardes e, ainda que não queira, acaba se expondo, ao ridículo ou ao descrédito.
O resultado disso é o mesmo do que ocorreu com a história, a guerra acaba somente no campo das aparências, por trás há muito lixo, mágoa, receios e outros para serem revirados e não se sabe exatamente o que fazer com o que restou.